Entrevista com Robert Stam, professor de Estudos Cinematográficos da New York University

12 de agosto de 2019 | Notícias

Em concorrida palestra, o IACS recebeu no dia 5 de julho passado a visita de Robert Stam, professor de Estudos Cinematográficos da New York University. Organizada pelo Departamento de Cinema e Vídeo e pelo PPGCine, a palestra que durou 4 horas e 20 minutos (com intervalo), foi ilustrada com mais de 40 trechos de filmes, documentários, programas de TV, material de arquivo, videoclips, capas de livros e fotografias, apresentando uma síntese de pesquisas mais recentes de Stam, agora direcionadas às novas mídias indígenas.

Stam já esteve no IACS diversas vezes, bem antes, inclusive, da existência de nossas pós-graduações oferecendo cursos sobre Cinema e Literatura, Multiculturalismo e Teoria do Cinema. Faz parte de nossa bibliografia, com diversos de seus livros traduzidos para o português, como o hoje clássico O espetáculo interrompido: cinema e literatura de desmistificação, publicado pela Paz e Terra em 1986.

Professor que introduziu os cursos de cinema brasileiro no currículo do Departamento de Estudos Cinematográficos da New York University desde o outono de 1977, Stam publicou, em parceria com outro norte-americano, o Prof. Randal Johnson, o primeiro livro em inglês totalmente dedicado ao nosso cinema, intitulado exatamente Brazilian Cinema, cuja primeira edição saiu em 1982, ampliada e reeditada posteriormente em 1995.

Duas perguntas para Robert Stam:

João Luiz Vieira – Como você definiria o foco específico e o material abordado em sua palestra intitulada “Do modernismo decolonial à mídia indígena: olhares transnacionais sobre o índio”?

Robert Stam – “Utilizei diversos trechos de filmes e citações de escritores reconhecidos para tratar de olhares transnacionais sobre a figura do índio: olhares brasileiros, franceses, norte-americanos, e também alemães, contrastando, por exemplo, o índio filosófico francês (Montaigne, Diderot) com o índio romântico alemão (Karl May). Vou da representação do índio à auto representação, graças à mídia indígena.”

João Luiz Vieira – O que você trouxe de inovador para o público na relação da produção audiovisual indígena brasileira com a própria cultura nacional?

Robert Stam –“Destaquei o caráter profético e visionário que o Modernismo brasileiro do Manifesto Antropofágicode de Oswald de Andrade trouxe no início dos anos 1920. Apesar de ser mais ou menos ignorado pela maioria dos livros sobre o assunto fora do Brasil, o Modernismo brasileiro foi o movimento mais radical e relevante para o presente, porque colocava o índio no centro da discussão, era teoricamente feminista e era decolonial avant la lettre seis décadas antes que o termo “decolonial” entrasse na moda no âmbito acadêmico. Evidência disso é o carinho que Oswald tem por palavras contendo o prefixo “des” – “descolombizar”, “desvespuciar”, “descabralizar”.

A propósito de prefixos, ressaltei também em minha fala a preferência atual do uso do prefixo “trans”, sugerindo algo como “multi” (p. ex., multiculturalismo), que evoca simples adição e multiplicidade, enquanto “inter” (interculturalismo) evoca multiplicidade e reciprocidade. Já “trans” (transculturalismo) evoca simultaneamente multiplicidade, reciprocidade, e transformação. A palestra serviu como exemplo de uma abordagem transdisciplinar, transnacional, transtextual, transmidiática, transgenérica, transartística e transe-modernista (em referência ao filme marco do Tropicalismo, Terra em transe, de Glauber Rocha). Tema constante da palestra ilustrada é a mídia indígena e suas múltiplas formas como o filme documentário, o filme de ficção, programas de televisão, canções, filmes de arquivo, web sites e até comédia no estilo stand-up.”

Escrito por João Luiz Vieira